segunda-feira, agosto 07, 2006

Coisas do ar

A Carolina escreveu isto, curiosamente enviou-me. Tem o título "coisas do ar", há coincidências incriveis.



"Neste sufoco habitual que é acordar sozinha todas as manhas, lembro-me do que não fomos.
Eu costumava acreditar que o tempo ia voar para nós e por esta altura estaríamos já os dois velhos, a ver estrelas desfocadas pela miopia, durante as noites de Verão.
Iríamos beber chá e ter gatos, como toda a gente. Estar cansados pela vida, como toda a gente.
Ter cortinados feios, como toda a gente. Ver televisão de qualidade duvidosa, como toda a gente.
Iríamos ser como toda a gente e no entanto, tão nossos, que nunca ninguém ia entender as nossas singularidades.
Iríamos sentir-nos confortáveis, longe da angústia adolescente e em conversas só nossas, rir ao lembrar quando secretamente planeávamos morrer antes dos 30.
Tu ias continuar a descansar a tua mão displicentemente na minha perna e eu ia continuar a achar esse gesto algo espontâneo e maravilhoso.
Seríamos assim, sem conhecer outro amor, até que um de nós morresse. Depois, meses depois, morreria o outro de tristeza. Todos teriam que reconhecer a nossa simbiose.
Seria o nosso último sorriso sarcástico, para quem ainda se atrevesse a duvidar.
Teríamos filhos feitos de nós. Traços físicos, convicções, gestos. – a minha almofada chora.
Eu costumava acreditar mas o tempo não voou. Limitou-se a passar como só o tempo sabe. Os ponteiros do relógio continuaram a trabalhar da forma que lhes ensinaram. Nem mais nem menos.
Não vamos morrer juntos. Talvez um de nós morra mesmo antes dos 30 (estamos gastos, meu amor) e o outro lhe siga, pela tal simbiose de que escolhemos não falar.
Ou talvez morramos de uma daquelas doenças idiotas, causadas pelo excesso de álcool, quando tivermos 40 anos e nenhuma perspectiva de vida. Já nem sei.
Neste sufoco habitual que é acordar sozinha todas as manhas, lembro-me do que não fomos. E cada uma destas memórias não vividas me dói."

2 comentários:

Anónimo disse...

"quem não quis saber tirou a mão e partiu". foda-se, que me doeu tanto escrever isso. todos os dias são pedacinhos de mim que morrem. e ele não quer saber. tão senhor de si. passa os dedos pelos cabelos loiros e deixa-me para trás.

el potento disse...

Parabens

Caí no seu blog sem querer mas achei o texto magnífico. Coloquei no meu perfil do orkut com a devida referência da sua autoria e endereço do blog.

espero que não se oponha.